Os poderes do superior hierárquico
Os poderes do superior hierárquico
No entender do professor Freitas do Amaral, hierarquia é "o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de obediência". Ou seja, esta traduz-se num vínculo especial de supremacia e subordinação que se estabelece com os deveres e sujeições a que o segundo se encontra adstrito.
Assim, há que analisar quais os poderes atribuídos ao superior e, nesse sentido, focar-me-ei no parecer de dois ilustres Professores, Paulo Otero e Freitas do Amaral.
Por seu lado, o Professor Paulo Otero agrupa os poderes do superior em poderes de direção, controlo (nos quais integra os poderes de inspeção, supervisão e disciplinar) e poderes dispositivos da competência (nos quais integra os poderes de resolução de conflitos de competência, de delegação e de substituição primária).
Por sua vez, o Professor Freitas do Amaral não agrupa os poderes, apresentando uma lista mais restrita destes, afirmando: "são, basicamente, três: o poder de direção, supervisão e disciplinar", não excluindo, todavia, outros como o poder de inspeção, de decidir recursos, de decidir conflitos de competência e o poder de substituição.
-Quanto ao poder de direção, este caracteriza-se como sendo a faculdade de o superior dar ordens e instruções, em matéria de serviço, ao subalterno, não carecendo de consagração legal expressa. Ou seja, não é necessário que a lei refira diretamente a existência desse poder para que o superior disponha da faculdade de dar ordens ou instruções (essa competência decorre da própria natureza das funções de superior hierárquico por ele exercidas).
O Professor Freitas do Amaral afirma, também, que as manifestações do poder de direção se esgotam no âmbito da relação hierárquica, não produzindo efeitos jurídicos externos. Mesmo quando têm natureza genérica, os comandos emitidos pelo superior hierárquico serão meros preceitos administrativos internos e não normas jurídicas. Deste modo, não poderão os particulares invocar perante um tribunal administrativo a violação de uma "instrução, circular ou ordem de serviço" para fundamentar o pedido de anulação de um ato administrativo.
Em contrapartida, o Professor Paulo Otero discorda, afirmando que, apesar de os comandos hierárquicos serem atos eminentemente internos, tal não exclui a possibilidade de os mesmos produzirem certos efeitos reflexos a nível externo. (ainda assim, não pode ser conferida a tais atos internos a possibilidade de modificar normas externas e muito menos de reduzir as garantias dos administrados)
-Por sua vez, o poder de supervisão traduz-se na faculdade de o superior revogar, anular ou suspender os atos administrativos praticados pelo subalterno, podendo este ser exercido de duas formas distintas: ou por iniciativa do superior; ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo interessado. Tanto o Professor Freitas do Amaral, como o Professor Paulo Otero estão em acordo quanto à definição supramencionada e quanto ao facto de a faculdade de revogação ser o elemento essencial deste poder, operando de duas formas distintas: (pode consistir de um ato com o objetivo de fazer cessar os efeitos produzidos por um outro ato anterior, ou pode verificar-se através da prática de novo ato cujo conteúdo da sua regulamentação seja incompatível com os efeitos de um ato anterior sobre a mesma matéria.).
-Já o poder disciplinar, consiste na faculdade de o superior hierárquico punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei, em consequência das infrações à disciplina da função pública cometidas, não sendo, porém, uma garantia de cumprimento dos comandos hierárquicos do superior.
É de destacar que aos trabalhadores da Administração Pública abrangidos pelo regime do emprego público se aplicam as normas disciplinares da LGTFP (Art. 76º/1), estando outros trabalhadores, como os das empresas públicas, sujeitos às normas disciplinares do regime laboral comum, constantes do Código de Trabalho.
-Quanto ao poder de inspeção, este será o último dos poderes de controlo, na perspetiva de ambos os Professores, consistindo na faculdade de o superior fiscalizar, continuamente, o comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços. Este é um poder instrumental em relação aos
poderes de direção, supervisão e disciplinar, pois, é com base nas informações recolhidas através do exercício do poder de inspeção que o superior hierárquico
decidirá usar ou não, e em que termos, esses três poderes principais.
-O poder de decidir recursos, no seu âmbito, trata-se da faculdade de o superior apreciar os casos primariamente decididos pelos subalternos, podendo confirmar, anular ou revogar os atos impugnados. A este instrumento chama-se "recurso hierárquico" e este poder não carece de formulação legal expressa.
-Finalmente, no que diz respeito ao poder de substituição, ambos os Professores mencionam o facto de a sua existência ser, de facto, contestada, não sendo considerado verdadeiro por grande parte da doutrina. O poder de substituição seria, pois, a faculdade de o superior exercer legitimamente competências conferidas, por lei ou delegação de poderes, ao subalterno. Por um lado, o Professor Marcello Caetano e o Professor Paulo Otero, entre muitos outros, entendem que tal poder existe verdadeiramente. Por outro, o Professor Freitas do Amaral entende que, em regra, a competência do superior hierárquico não engloba o poder de substituição, mesmo que no caso disponha de um poder de revogação. Sustenta, aliás, a sua posição invocando as finalidades que levam a lei a desconcertar a competência dos superiores nos seus subalternos: melhor prossecução do interesse público pelos órgãos situados na maior proximidade dos problemas a resolver e mais ampla proteção dos direitos e interesses dos particulares, através da possibilidade de controlo da primeira decisão pelos superiores hierárquicos.
Bibliografia utilizada:
DO AMARAL, DIOGO FREITAS, "Curso de Direito Administrativo", Volume I, Almedina
OTERO, PAULO, "Manual de Direito Administrativo", Volume I, Almedina
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