A tutela e a superintendência

 

A tutela e a superintendência são dois poderes do Governo previstos na alínea d) do artº 199º da Constituição, estabelecendo o artigo como competência desse orgão, no âmbito do exercício da função administrativa “superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma”.


Assim, começaremos por analisar a tutela.


Em primeiro, examinaremos as várias teorias sobre a natureza da tutela, enunciadas por Diogo Freitas do Amaral:


1) Em primeiro lugar, encontramos a tese da analogia com tutela civil.

Esta tese equipara a tutela administrativa à figura de tutela civil, partindo duma imagem das entidades tuteladas como incapacitadas, pelo que o legislador teria instituído um mecanismo de suprir as limitações orgânicas e funcionais que se verificavam na atuação das entidades tuteladas.

Esta teoria é rejeitada por Diogo Freitas do Amaral, que não aceita esta caracterização das entidades tuteladas, dizendo-as pessoas coletivas que têm plena capacidade de exercício e competência, e que o objetivo seria limitar os excessos dessa plenitude


2) Em segundo, a tese da hierarquia enfraquecida, defendida por Marcello Caetano

Nesta tese, estabelece-se um comparativo entre a tutela administrativa e a hierarquia, retratando a primeira como uma forma de hierarquia enfraquecida

Os poderes tutelares seriam segundo esta conceção poderes hierárquicos enfraquecidos, mas exercidos sobre entidades autónomas, por oposição a entidades dependentes.

Também esta tese é recusada por Diogo Freitas do Amaral, justificando-se que se assim fosse tutela administrativa não necessitaria de consagração legal expressa, e que poderia o legislador somente enfraquecer poderes hierárquicos.


3) Por fim, a tese do poder de controlo, defendida por Diogo Freitas do Amaral

A tese do poder de controlo encara a tutela administrativa como uma figura sui generis.

Assenta então na tutela administrativa como poder de controlo, exercido por um órgão da Administração sobre certas pessoas coletivas, obrigando-as ao cumprimento da lei e, sempre que permitido pela lei, verificando o mérito das suas ações.


A tutela é, em suma e seguindo a conceção de Diogo Freitas do Amaral, o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, por consagração legal expressa, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação.

Tem como fim que a entidade tutelada cumpra a lei, traduzindo-se isto numa tutela de legalidade, e em certos casos, garantir que sejam adotadas as soluções que de melhor maneira se adequam à prossecução do interesse público, consistindo assim numa tutela de mérito.


Depois de conhecido este binómio entre tutela de legalidade e tutela de mérito, debruçamos-nos sobre as várias formas de tutela de mérito, sendo estas de 5 tipos.


A tutela integrativa traduz-se no poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade tutelada. Quando falamos da autorização de atos, está em causa uma tutela inspetiva a priori, e a não verificação da autorização refletir-se-á na ineficácia do ato tutelado. A aprovação dos atos é, por sua vez, uma manifestação da tutela inspetiva a posteriori e a não aprovação dos atos reflete-se na invalidade do ato tutelado.


A tutela inspetiva reduz-se à fiscalização da organização e do funcionamento da entidade tutelada, e a esta pode-se juntar a tutela sancionatória, que consiste no poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido apuradas, podendo os atos sancionatórios repercutirem-se sobre a pessoa coletiva tutelada como um todo, ou os seus órgãos e agentes.


A tutela revogatória representa-se pelo poder de revogar os atos administrativos praticados pela entidade tutelada, sendo porém um poder de uso bastante excecional.


E por fim , a tutela substitutiva é o poder de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez dela, e por conta dela, os atos que forem legalmente devidos.


Agora, debruçamo-nos sobre a superintendência.


À semelhança da tutela, também para a figura da superintendência encontramos três teses que pretendem definir a sua natureza jurídica:


1) A tese da superintendência como tutela reforçada

Esta conceção defende que a superintência acaba por se tratar de um poder de tutela, acrescido de um poder de orientação, tratando-se assim a superintendência de uma modalidade mais forte de tutela administrativa.

Esta tese não é apoiada por Diogo Freitas do Amaral, que defende que aqui se verifica uma confusão entre poderes de controlo e poderes de orientação, explicando que orientar é definir objetivos e traçar o rumo alheio, e controlar é apenas fiscalizar e garantir respeito por certas normas e valores.


2) A tese da superintendência como hierarquia enfraquecida

Esta tese resulta da conceção de que o poder de orientação, ou seja, a faculdade de emanar diretivas e recomendações, é um enfraquecimento do poder de direção, faculdade de dar ordens e instruções.

Também esta tese é rejeitada por Diogo Freitas do Amaral, partindo de que na administração indireta do Estado, o Governo tem poderes de superintendência sobre a administração indireta e não se verifica a existência de hierarquia. Acrescenta-se que se tomasse a forma de hierarquia, não seria necessária a sua consagração legal, tratando-se a hierarquia de um poder implícito.


3) Por último, a tese da superintendência como poder de orientação

A tese apoiada por Diogo Freitas do Amaral estabelece, à semelhança do que fez no caso da tutela, que a superintendência se trata de um conceito autónomo, sui generis, traduzindo-se, num poder de orientação da conduta de outro.


Assim, seguindo a conceção de Diogo Freitas do Amaral, a superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência. É uma norma de competência genérica.


Concluímos, por fim, e retornando à alínea d) do artº 199º da CRP, que o Governo exerce sobre a administração indireta do Estado, poderes de controlo e de orientação, enquanto que no caso da administração autónoma, estes encontram-se limitados a poderes de controlo.


Catarina Salgueiro Niehus, nº 64396


Bibliografia


Curso de Direito Administrativo, Vol I, DIOGO FREITAS DO AMARAL


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