A descentralização
O princípio constitucional da descentralização decorre, antes de mais, do 267º/2 da CRP. O artigo em questão estabelece a intenção de que a função administrativa seja exercida por outras pessoas coletivas além do Estado, impedindo a centralização do exercício da atividade administrativa na pessoa coletiva Estado.
É necessário que essas pessoas coletivas e os seus orgãos sejam investidos pela lei de atribuições e competências que permitam efetivamente a aproximação da administração relativamente às populações e que lhes sejam afetados os recursos humanos e financeiros suficientes para que possam prosseguir aquelas atribuições e exercer aquelas competências.
Diz Luís Pereira Coutinho, estabelecendo os requisitos da descentralização
“Efetivamente, para que haja descentralização em sentido próprio ou material, é necessário que se reúnam diferentes requisitos . São esses:
1) Um substracto pessoal colectivo, ou seja, uma comunidade de interessados distinta da comunidade geral representada pelo Estado;
2) Atribuições próprias, ou seja, um conjunto de tarefas ou interesses de natureza pública assumidos pela comunidade em causa;
3) Competências próprias, ou seja, um conjunto de poderes instrumentais à prossecução de tais tarefas ;
4) Auto-governo, ou seja, o exercício destas competências por órgãos próprios representativos da comunidade de interessados em causa;
5) Auto-responsabilidade ou autonomia em sentido estrito, ou seja, o exercício das mesmas competências independentemente de poderes condicionantes de intervenção intra-administrativa estadual. Fala-se de todos aqueles poderes cujo exercício possa, direta ou indiretamente, determinar ou interferir com as opções de mérito do ente auto-administrado. Por estas opções, os órgãos do ente em causa respondem primordialmente perante a referida comunidade de interessados. É aqui que a concretização legislativa do princípio da descentralização se tem revelado mais deficitária, e precisamente onde ela é constitucionalmente garantida, como sucede com as autarquias locais.”
O princípio da subsidariedade, também consagrado na CRP, no artº 6º, transmite antes de mais a ideia de que o poder público apenas deve atuar quando os objetivos da sua atuação não possam ser suficientemente realizados por um ente menor, público ou privado, e surge então, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa como critério de descentralização, “assegurando que as atribuições e competências administrativas sejam prosseguidas pelo nível de administração melhor colocado para o fazer com maior racionalidade, eficácia e proximidade em relação aos cidadãos.”
Encontra ainda outro limite no princípio da unidade da ação administrativa, também consagrado no artº 6º da CRP, que tenta atenuar as possíveis desvantagens da descentralização administrativa, permitindo uma maior igualdade da atuação administrativa, agindo principalmente pela supressão de centros de decisão que estejam desencontrados dentro da Administração.
Assim, a descentralização apresenta um certo número de vantagens e desvantagens. As vantagens traduzem-se, a título principal, numa maior eficiência da atividade administrativa, maior proximidade das pessoas coletivas públicas ao problema a resolver, tornando-se mais simples determinar as suas atribuições, e limitação do poder público através da sua repartição por uma multiplicidade de pessoas coletivas, de modo a evitar que fique retido numa única pessoa coletiva, o Estado.
As desvantagens seriam a proliferação de centros de decisão que poderiam acabar por ficar desenquadrados do resto da administração, a existência de patrimónios autónomos que necessitariam de gestão financeira, acrescidas dificuldades de controlo e riscos de ineficiências, que poderiam resultar da existência de órgãos cujos titulares não estariam preparados para a gestão administrativa, não possuindo os conhecimentos necessários.
Segundo Diogo Freitas do Amaral, os limites de descentralização são de 3 ordens:
1. Limites a todos os poderes da Administração, e, consequentemente, os poderes das entidades descentralizadas
2. Limites à quantidade de poderes transferíveis para entidades descentralizadas
3. Limites ao exercício dos poderes transferidos
As autarquias locais são um exemplo do fenómeno de descentralização da atividade administrativa do Estado, resultando de uma descentralização em primeiro grau, ou seja, prevista pela Constituição, tal como evidencia o seu artº 237º. Assim, examinemos a forma como os limites da descentralização se repercutem nas mesmas.
No ponto dos limites aos poderes das entidades descentralizadas, repercute-se a nível das autarquias locais, pela delimitação das suas atribuições e competências, como advém dos artigos 2º e 3º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, a sua sujeição ao princípio da legalidade, e ainda a necessidade de respeitar os direitos e interesses legítimos dos particulares.
Na questão do limite da quantidade de poderes transferíveis para as entidades descentralizadas, encontramos este limite na alínea 2 do artº 267º da CRP, estando a descentralização administrativa limitada pelo princípio da eficácia e da unidade de ação administrativa.
No tópico do limite ao exercício dos poderes transferidos, este é evidente na intervenção que o Estado faz na gestão das autarquias locais, exercendo certos poderes de controlo, sobre a forma de tutela administrativa.
A tutela quanto às atribuições próprias seguidas pelas autarquias locais está inscrita no artº 242º da CRP como consistente “na verificação do cumprimento da lei”, expressão que segundo José Carlos de Andrade “aponta para uma tutela predominantemente inspectiva da legalidade – sem prejuízo de poderes de intervenção governamentais, a exercer segundo os princípios da subsidiariedade e da cooperação, nas situações de concorrência entre interesses locais e nacionais, designadamente em matéria de ordenamento do território, urbanismo e ambiente, bem como de polícia.”
Catarina Salgueiro Niehus, nº 64396
Bibliografia:
Lições de Direito Administrativo, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE
O problema das atribuições e das competências das autarquias locais, LUÍS PEREIRA COUTINHO
Curso de Direito Administrativo, Vol I, DIOGO FREITAS DO AMARAL
Direito Administrativo Geral, Vol I, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS
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