A Administração Autónoma

 

A Administração Autónoma

 

    A existência da Administração autónoma vem prevista no disposto do artº. 267/3, da CRP quando dispõe “a lei pode criar entidades administrativas independentes” e, de acordo com o disposto no artº. 199º d), da CRP “compete ao Governo, no exercício das suas funções administrativas exercer tutela sobre a administração autónoma”.

    Pode caracterizar-se a administração autónoma como um sistema de organização constituído por pessoas que não foram criadas pelo Estado e que visam prosseguir os interesses públicos próprios das pessoas que dela fazem parte[1]. Deste modo, diz-se que esta se dirige a si mesma e que define independentemente a orientação do seu plano de atividades, sem sujeição a hierarquia ou superintendência do Governo pois, como já vimos, apenas está sujeita a tutela por parte do Governo (artº. 199 d), da CRP). Conseguimos, assim, estabelecer a partir desta breve exposição uma diferença face à administração indireta, que prossegue fins alheios (os fins do Estado); ao contrário da administração autónoma, que prossegue fins próprios.

    Este sistema de organização é composto: pelas regiões autónomas; autarquias locais; e pelas associações públicas, que são entidades com uma origem associativa[2]. As associações públicas são entidades de tipo associativo e as regiões autónomas em conjunto com as autarquias locais são as chamadas pessoas coletivas de população e território[3]. A diferença entre as autarquias locais e as regiões autónomas, radica no facto de às autarquias locais apenas caber administração pública própria, consistindo numa descentralização administrativa; e às regiões autónomas caber uma administração própria, um órgão legislativo com natureza parlamentar e um Governo, consistindo numa descentralização política. Deste modo, observa-se que a diferença entre estas radica, essencialmente, no seu grau de descentralização[4].

    Relativamente às Autarquias Locais (previstas no artº. 235, da CRP), segundo o professor Diogo Freitas do Amaral é possível distinguir o sentido subjetivo/orgânico e o sentido objetivo/material. Quanto ao sentido subjetivo, figura-se como “o conjunto das autarquias locais”; e o sentido objetivo consiste na “atividade administrativa desenvolvida pelas autarquias locais[5]. O professor Sérvulo Correia define as autarquias locais como “pessoas coletivas públicas de base territorial correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, que assegura, a prossecução geográfica, mediante a atividade de órgãos próprios representativos das populações[6]. É através do princípio da autonomia local, que se encontra consagrado no disposto do artº.6/1, da CRP e do artº. 3/1, da Carta Europeia de Autonomia Local, que se fundamenta a existência das autarquias locais. O artigo da Constituição dispõe “(…) os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais (…)”; e o artigo da Carta define o princípio como impondo às autarquias o direito e a capacidade para se regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e tendo em conta os interesses das populações que representam e assistem, o que se revela uma fatia importante dos assuntos públicos[7]. Já o professor Diogo Freitas do Amaral define autarquias locais como “são pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante orgaos próprios, representativos dos respetivos habitantes[8].

    Este conceito abarca quatro elementos do quais é necessário fazer nota[9]:

  • ·       Território: configura-se numa parte delimitada do território do Estado a que se chama circunscrição administrativa e é o elemento mais importante pois, as autarquias locais são “pessoas coletivas territoriais/ pessoas coletivas de população e território”;
  • ·       Agregado populacional: consiste na população em função da qual se definem os interesses que a autarquia visa prosseguir e, por outro lado, é a população que constitui o substrato humano da autarquia local;
  • ·       Interesses comuns: são estes os interesses que consistem no fundamento da existência das autarquias locais visto que estas são criadas exclusivamente para prosseguirem os interesses privativos das populações locais;
  • ·       Órgãos representativos: estes configuram-se nos órgãos que representam as populações e são escolhidos democraticamente através das eleições autárquicas.

    As autarquias locais podem dividir-se em tres espécies:

  • ·       Freguesias: “são as autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em casa circunscrição paroquial[10]; segundo o professor Sérvulo Correia, consistem numa autarquia que apresenta uma expressão territorial muito diminuta e são oriundas das paróquias do direito canónico, integrando uma rede inframunicipal que visa cobrir a totalidade do território nacional[11];
  • ·       Municípios: “é a autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos[12]; segundo o professor Sérvulo Correia, têm uma consistente existência histórica pelo que, consistem no único ponto de referência organizativo da administração e são muito anteriores à própria existência da figura Estado[13];
  • ·       Regiões administrativas: consistem numa administração autónoma de cariz não territorial e são constituídas por múltiplas pessoas coletivas com e sem personalidade jurídica. Com personalidade jurídica é possível indicar as associações públicas e os consórcios. Sem personalidade jurídica é possível apontar entidades de natureza associativa e entidades de natureza fundacional.

    Cabe referir que esta última espécie, configura a administração autónoma não territorial. Relativamente às associações públicas, diz-nos o professor Sérvulo Correia que “são pessoas coletivas públicas de tipo associativo criadas por grupos de cidadãos com interesses públicos próprios específicas, com a finalidade de prosseguir estes[14]. Já os consórcios administrativos são “pessoas coletivas públicas de tipo associativo que reúnem as entidades públicas que as instituíram na prossecução de interesses públicos comuns[15].

    Ainda no âmbito da administração autónoma surge uma realidade que constitui uma “chama” na doutrina português que vem dividindo autores- é a situação das Universidades Públicas. Para Sérvulo Correia, as entidades públicas integram a administração autónoma. Para Diogo Freitas do Amaral as universidades públicas constituem institutos públicos na forma de estabelecimentos públicos fazendo, deste modo, parte da administração indireta do Estado. Jorge Miranda entende que as universidades públicas devem ser consideradas figas mistas pelo facto de não terem natureza associativa. Já para Vital Moreira, as universidades públicas não podem fazer parte da administração autónoma, apesar de gozarem de uma autonomia relativamente ampla e de possuírem autoadministração. Marcelo Rebelo de Sousa, considera que as universidades públicas, embora não sendo qualificáveis como associações públicas, não devem deixar de integrar a administração autónoma com base nesse fundamento[16].

 

    Breves considerações sobre o princípio da autonomia local

    Segundo o professor Diogo Freitas do Amaral, este princípio exige os seguintes direitos[17]:

  • ·       O já referido direito no disposto do artº. 3º/1, da Carta Europeia da Autonomia Local “o direito e a capacidade efetiva de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos”;
  • ·       o direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afetem os interesses próprios das respetivas populações”;
  • ·       o direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisoes sobre matérias de interesse comum (pelas formas mais adequadas: audiência prévia, parecer vinculativo, co-decisão, direito de veto, etc.)”;
  • ·       o direito de, sempre que possível, regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais por forma a adaptá-los convenientemente às realidades locais”.



[1] Cfr. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 2021, 2ª Edição, p.130

[2] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.130

[3] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Lisboa, 2015, 4ª Edição, p.361

[4] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.131

[5] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., p.407

[6] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.131

[7] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.131

[8] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., p.408

[9] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., pp.411-412

[10] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., p.431

[11] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.134

[12] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., p.450

[13] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.134

[14] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.136

[15] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.137

[16] Cfr. Sérvulo Correia, Noções…, ob.cit., p.137

[17] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, ob.cit., pp.417-418

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